Um conto maravilhoso de Regina Machado:
OS TRÊS HOMENS ATENTOS
Três homens caminhavam juntos por uma estrada
quando passou por eles um velho muito
apressado:
- Por acaso
vocês viram o meu camelo? - ele perguntou, cheio de preocupação.
O primeiro
homem respondeu-lhe com outra pergunta:
- Seu camelo é cego de um olho?
- É sim – disse o cameleiro.
- Ele não tem um dos dentes da frente?
– continuou o segundo homem.
- É isso mesmo.
- É manco de uma perna? – completou o
terceiro.
- Com certeza – ele afirmou.
Os três homens então o aconselharam a
seguir na direção de onde eles vinham vindo, que logo encontrariam seu camelo.
O cameleiro agradeceu muito a indicação e se foi. Mas nem sinal do camelo.
“Vou voltar
correndo para falar mais uma vez com aqueles viajantes”, ele disse para si
mesmo. “Quem sabe poderão me dizer mais claramente em que lugar eles o viram.”
No final do
dia, já quase sem forças, o dono do camelo avistou os três homens descansando debaixo de uma amendoeira à beira
da estrada.
- Não achei nada – ele gritou.
- O camelo
levava duas cargas, de um lado mel e do outra milho? – perguntou o primeiro
homem.
- Sim – respondeu o cameleiro,
bastante ansioso.
- Uma mulher
grávida estava montada nele? – quis saber o segundo.
- Era minha mulher – falou o
cameleiro.
- Sinto muito
– disse finalmente o terceiro homem. – Nós não vimos o seu camelo.
O cameleiro foi embora
desapontado, mas no caminho começou a juntar os fatos. “Se eles sabem de tudo
isso, é claro que estão escondendo de
mim alguma coisa importante. E se estão escondendo, é porque foram eles que roubaram
meu camelo, a carga e também minha mulher. São ladrões perigosos, mas não vão
me enganar.”
Correu até o juiz e contou toda a
história, muito nervoso. O juiz achou que o cameleiro tinha motivos mais que
justos para suspeitar daqueles homens e, ordenou que os prendessem como ladrões. Enquanto isso, iria mandar
investigar os fatos, para confirmar a culpa dos viajantes.
Algum tempo depois, o cameleiro voltou para casa e encontrou a
mulher cozinhando um delicioso carneiro
para o jantar. Ela disse que deixara o camelo no campo perto da casa de sua
comadre, onde tinha parado para conversar.
O cameleiro retornou à corte e,
pedindo desculpas por ter se enganado,
disse ao juiz que podia libertar os homens. O juiz mandou chamar os três
viajantes.
- Se vocês nem sequer tinham visto
o camelo, como podiam saber tantas coisas sobre ele? – perguntou, cheio de
curiosidade.
- Bem – disse o primeiro homem -,
nós vimos suas pegadas no caminho.
- Uma das pegadas era mais
fraca do que as outras, por isso
deduzimos que era manco – disse o segundo.
- Além disso, ele tinha mordiscado
o mato de um lado só da estrada e, assim, devia ser cego de um olho – continuou
o terceiro.
O primeiro seguiu falando:
- As folhas estavam rasgadas, o
que indica que o camelo tinha perdido um dente.
E o terceiro:
- De um lado do caminho vimos
abelhas sobre os restos de alguma coisa no chão e, do outro lado, havia
formigas sobre um outro monte. As abelhas comiam o mel que havia caído da
carga, e as formigas recolhiam os grãos de milho.
- Também vimos alguns fios de
cabelo humano bem compridos que só podiam ser de uma mulher. Eles estavam bem
no lugar onde alguém tinha parado um animal e
depois descido – disse o primeiro homem.
- No lugar onde a mulher sentou,
observamos as marcas de duas palmas das mãos, o que nos levou a pensar que ela
precisava apoiar-se, tanto para sentar-se como para levantar. Assim, deduzimos
que a mulher estava grávida. – completou o segundo homem.
O juiz ficou impressionado.
- Mas por que não se defenderam,
se não tinham culpa de nada?
- Porque nós sabíamos que ninguém
iria roubar um camelo manco, cego de um olho, sem um dente, levando uma mulher
grávida! E que logo seu dono iria encontrá-lo. Sabíamos também que ficaria
envergonhado e viria até a corte para corrigir seu erro – disseram os três
juntos.
Naquela noite, o juiz, antes de
dormir, ficou um tempão sentado na cama lembrando do seu camelo. Nunca tinha
reparado se ele era manco, ou se era cego de um olho, ou se lhe faltava um
dente.
Quanto aos três homens, até hoje
viajavam pelos caminhos do mundo, realizando o trabalho que lhes foi destinado.
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