Uma fábula de Millôr Fernandes:
CÃO! CÃO! CÃo!
Abriu a porta e viu o
amigo que há tanto não via. Estranhou apenas que ele, amigo, viesse acompanhado
de um cão. O cão não muito grande mas bastante forte, de raça indefinida,
saltitante e com um ar alegremente agressivo. Abriu a porta e cumprimentou o amigo,
com toda efusão. "Quanto tempo!". O cão aproveitou as saudações, se
embarafustou casa adentro e logo o barulho na cozinha demonstrava que ele tinha
quebrado alguma coisa.
O dono da casa
encompridou um pouco as orelhas, o amigo visitante fez um ar de que a coisa não
era com ele. "Ora, veja você, a última vez que nos vimos foi..."
"Não, foi depois, na..." "E você, casou também?" O cão
passou pela sala, o tempo passou pela conversa, o cão entrou pelo quarto e novo
barulho de coisa quebrada. Houve um sorriso amarelo por parte do dono da casa,
mas perfeita indiferença por parte do visitante. "Quem morreu
definitivamente foi o tio... você se lembra dele?" "Lembro, ora, era
o que mais... não?"
O cão saltou sobre um
móvel, derrubou o abajur, logo trepou com as patas sujas no sofá (o tempo
passando) e deixou lá as marcas digitais de sua animalidade. Os dois amigos,
tensos, agora preferiam não tomar conhecimento do dogue. E, por fim, o
visitante se foi. Se despediu, efusivo como chegara, e se foi. Se foi.
Mas ainda ia indo, quando
o dono da casa perguntou: "Não vai levar o seu cão?" "Cão? Cão?
Cão? Ah, não! Não é meu, não. Quando eu entrei, ele entrou naturalmente comigo
e eu pensei que fosse seu. Não é seu, não?”
Moral: Quando notamos certos defeitos nos amigos,
devemos sempre ter uma conversa esclarecedora.
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