Chegou a vez do belíssimo conto de Marina Colasanti:
UMA IDEIA TODA AZUL
Um dia o Rei teve uma ideia.
Era a primeira da vida
toda, e tão maravilhado ficou com aquela ideia azul, que não quis saber de
contar aos ministros.
Desceu
com ela para o jardim, correu com ela nos gramados, brincou com ela de esconder
entre outros pensamentos, encontrando-a sempre com igual alegria, linda ideia
dele toda azul.
Brincaram
até o Rei adormecer encostado numa árvore.
Foi
acordar tateando a coroa e procurando a ideia, para perceber o perigo. Sozinha
no seu sono, solta e tão bonita, a ideia poderia ter chamado a atenção de
alguém. Bastaria esse alguém pegá-la e levar. É tão fácil roubar uma ideia.
Quem jamais saberia que já tinha dono?
Com a ideia
escondida debaixo do manto, o Rei voltou para o castelo. Esperou a noite.
Quando todos os olhos se fecharam, saiu dos seus aposentos, atravessou salões,
desceu escadas, subiu degraus, até chegar ao Corredor das Salas do Tempo.
Portas
fechadas, e o silêncio.
Que sala
escolher?
Diante de
cada porta o Rei parava, pensava, e seguia adiante. Até chegar à Sala do Sono.
Abriu.
[...] O Rei deitou a ideia adormecida na cama de marfim, baixou a cortina, saiu
e trancou a porta.
A chave
prendeu no pescoço em grossa corrente. E nunca mais mexeu nela.
O tempo
correu seus anos. Ideias o Rei não as teve mais, nem sentiu falta, tão ocupado
estava em governar. Envelhecia sem perceber, diante dos educados espelhos reais
que mentiam a verdade. Apenas sentia-se mais triste e mais só, sem que nunca
mais tivesse tido vontade de brincar nos jardins.
Só os
ministros viam a velhice do Rei. Quando a cabeça ficou toda branca,
disseram-Ihe que já podia descansar, e o libertaram do manto.
Posta a
coroa sobre a almofada, o Rei logo levou a mão à corrente.
- Ninguém
mais se ocupa de mim - dizia atravessando salões e descendo escadas a caminho
das Salas do Tempo -, ninguém mais me olha. Agora posso buscar minha ideia e
guardá-la só para mim.
Abriu a
porta, levantou o cortinado.
Na cama
de marfim, a ideia dormia azul como naquele dia.
Como
naquele dia, jovem, tão jovem, uma ideia menina. E linda. Mas o Rei não era mais
o Rei daquele dia. Entre ele e a ideia estava todo o tempo passado lá fora, o
tempo todo parado na Sala do Sono. Seus olhos não viam na ideia a mesma graça.
Brincar não queria, nem rir. Que fazer com ela? Nunca mais saberiam estar
juntos como naquele dia.
Sentado
na beira da cama, o Rei chorou suas duas últimas lágrimas, as que tinha
guardado para a maior tristeza.
Depois
baixou o cortinado, e deixando a ideia adormecida, fechou para sempre a porta.
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