quarta-feira, 18 de julho de 2018

UMA HISTÓRIA POR DIA...

As narrativas do folclore com Ernani Ssó:

O BODE, A ONÇA E O TAMANDUÁ

“Há muito tempo, quando os bichos falavam e a onça nem era pintada, o bode pegou um machado e um porongo e foi procurar mel no mato. Procura que procura, topou com uma colmeia num pé de jataí. Cortou um buraco no tronco e começou logo a tirar o mel do oco, pondo-o no porongo.
            Nisso, apareceu a onça:
            - Ei, compadre bode, que faz aí?
            Louco de medo, o bode disse:
            - Tirando mel, comadre onça.
            A onça, muito calma e muito séria, disse:
            Gostei da ideia, compadre. Vá tirando que eu vou comer esse mel com bode e tudo.
            O bode teve uma tremedeira daquelas. Tremia tanto que espirrava mel pra todo lado, menos para dentro do porongo. Era mel pelo chão, pelo focinho, pela barbicha.
            - Ótimo – a onça disse se lambendo. – Assim nem preciso lambuzar o compadre para comer.
O bode continuou, mais trêmulo do que nunca. Tinha tirado quase todo o mel do oco do tronco, quando apareceu o tamanduá. A onça rosnou, descontente:
- Intrometido.
O tamanduá fingiu que não ouviu e disse:
- Boa tarde, compadres.
Os compadres responderam. O tamanduá, fingindo não notar o nervosismo geral, perguntou:
- O que faz aí, compadre bode?
- Tirando mel.
- Não parece muito alegre. O mel é pouco ou é ruim?
            – É muito e é bom.

            - E então, compadre bode?
            - É que a comadre onça disse que vai comer meu mel com bode e tudo.
            Então o tamanduá, muito sério e muito calmo, disse:
            - Não, não. Eu é que vou comer o mel com onça e tudo.
            O bode pensou:
       - A coisa ficou melhor. Vivo, pelo menos posso lamber minha barbicha, que está toda lambuzada.
         Mas mesmo assim a tremedeira não diminuiu. Os cascos do bode, batendo no chão, pareciam castanholas. Era um tectectectec que não acabava mais.
            O tamanduá disse, intrigado:
            - Mas que diabo é isso, compadre bode? Esse tectectectec!
            - Ah, são meus sapatinhos. Ganhei de presente do macaco. São de couro de onça.
           - Também quero sapatinhos de couro de onça – o tamanduá disse todo faceiro, e se virou pra onça. A onça se encolheu, mas era tarde: o tamanduá, nhac, deu um beliscão nela de tirar pedaço. – E agora, compadre bode, como eu faço?
            - Molhe o couro no mel pra amolecer, depois bote o pé.
            O tamanduá lambuzou o pedaço de couro da onça no mel do porongo. Tentou botar no pé, mas não conseguiu.
            - É preciso esticar, compadre – o bode disse.
            O tamanduá, com aquelas unhonas, esticou o couro pra cá, esticou pra lá. Tentou botar no pé, mas não conseguiu.
            - Não amoleceu muito, compadre bode. O que que eu faço?
- Então lamba, compadre, que a saliva ajuda.
O tamanduá lambeu o couro da onça.
- Hummmm! É bom, compadre. Acho que primeiro vou calçar meu estômago – disse, engolindo o sapatinho.
E, nhac, deu outro beliscão na onça. A onça deu um berro, mas o tamanduá não se importou: molhava no mel o pedaço de couro e comia, lambendo-se todo. Em seguida o tamanduá, nhac, deu outro beliscão. Depois outro e mais outro e mais outro. Antes que a onça fugisse, mais morta que viva, o tamanduá tinha dado não se sabe quantos beliscões.
É por isso que hoje as onças são pintadas. É que o pelo nasceu preto onde o tamanduá beliscou.”

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