As narrativas do folclore com Ernani Ssó:
O BODE, A ONÇA E O TAMANDUÁ
“Há
muito tempo, quando os bichos falavam e a onça nem era pintada, o bode pegou um
machado e um porongo e foi procurar mel no mato. Procura que procura, topou com
uma colmeia num pé de jataí. Cortou um buraco no tronco e começou logo a tirar
o mel do oco, pondo-o no porongo.
Nisso, apareceu a onça:
- Ei, compadre bode, que faz aí?
Louco de medo, o bode disse:
- Tirando mel, comadre onça.
A onça, muito calma e muito séria,
disse:
Gostei da ideia, compadre. Vá
tirando que eu vou comer esse mel com bode e tudo.
O bode teve uma tremedeira daquelas.
Tremia tanto que espirrava mel pra todo lado, menos para dentro do porongo. Era
mel pelo chão, pelo focinho, pela barbicha.
- Ótimo – a onça disse se lambendo.
– Assim nem preciso lambuzar o compadre para comer.
O
bode continuou, mais trêmulo do que nunca. Tinha tirado quase todo o mel do oco
do tronco, quando apareceu o tamanduá. A onça rosnou, descontente:
-
Intrometido.
O
tamanduá fingiu que não ouviu e disse:
-
Boa tarde, compadres.
Os
compadres responderam. O tamanduá, fingindo não notar o nervosismo geral,
perguntou:
-
O que faz aí, compadre bode?
-
Tirando mel.
-
Não parece muito alegre. O mel é pouco ou é ruim?
– É muito e é bom.
- E então, compadre bode?
- É que a comadre onça disse que vai
comer meu mel com bode e tudo.
Então o tamanduá, muito sério e
muito calmo, disse:
- Não, não. Eu é que vou comer o mel
com onça e tudo.
O bode pensou:
- A coisa ficou melhor. Vivo, pelo
menos posso lamber minha barbicha, que está toda lambuzada.
Mas mesmo assim a tremedeira não
diminuiu. Os cascos do bode, batendo no chão, pareciam castanholas. Era um
tectectectec que não acabava mais.
O tamanduá disse, intrigado:
- Mas que diabo é isso, compadre
bode? Esse tectectectec!
- Ah, são meus sapatinhos. Ganhei de
presente do macaco. São de couro de onça.
- Também quero sapatinhos de couro
de onça – o tamanduá disse todo faceiro, e se virou pra onça. A onça se
encolheu, mas era tarde: o tamanduá, nhac, deu um beliscão nela de tirar
pedaço. – E agora, compadre bode, como eu faço?
- Molhe o couro no mel pra amolecer,
depois bote o pé.
O tamanduá lambuzou o pedaço de
couro da onça no mel do porongo. Tentou botar no pé, mas não conseguiu.
- É preciso esticar, compadre – o
bode disse.
O tamanduá, com aquelas unhonas,
esticou o couro pra cá, esticou pra lá. Tentou botar no pé, mas não conseguiu.
- Não amoleceu muito, compadre bode.
O que que eu faço?
-
Então lamba, compadre, que a saliva ajuda.
O
tamanduá lambeu o couro da onça.
-
Hummmm! É bom, compadre. Acho que primeiro vou calçar meu estômago – disse,
engolindo o sapatinho.
E,
nhac, deu outro beliscão na onça. A onça deu um berro, mas o tamanduá não se
importou: molhava no mel o pedaço de couro e comia, lambendo-se todo. Em
seguida o tamanduá, nhac, deu outro beliscão. Depois outro e mais outro e mais
outro. Antes que a onça fugisse, mais morta que viva, o tamanduá tinha dado não
se sabe quantos beliscões.
É
por isso que hoje as onças são pintadas. É que o pelo nasceu preto onde o
tamanduá beliscou.”
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