sábado, 7 de julho de 2018

UMA HISTÓRIA POR DIA...

Belos contos africanos  de Rogério Andrade Barbosa:

POR QUE A GIRAFA NÃO TEM VOZ

Houve uma época em que os animais da floresta falavam todos a mesma língua. A girafa gostava de se vangloriar dizendo que era a rainha dos bichos porque tinha o pescoço mais comprido. Como era mais alta que os outros, costumava ficar olhando para o céu e conversando sozinha consigo mesma.
       Os outros bichos logo começaram a se irritar com essa mania da girafa, especialmente na hora em que tentavam tirar uma soneca depois do almoço.
            Irritados, começaram a traçar um plano para silenciar a chata da girafa. O leopardo foi até a grandalhona e provocou:
            - Você fica aí contando vantagem o dia inteiro, mas tem coisas que não sabe fazer.
            A girafa, que era muito atrevida, gritou:
            - O que, por exemplo?
            - Correr mais rápido do que eu – desafiou o veloz leopardo.
            - Aceito – respondeu a girafa, sem pestanejar. – me avise a hora e o lugar.
            O dia da corrida foi logo marcado. O leopardo, certo que ia vencer, convocou todos animais da floresta para vê-lo derrotar a grandona. Os bichos correram para se divertir e torcer pela derrota da girafa.
            Assim que foi dada a largada, os dois saíram em disparada lado a lado, mas logo o leopardo tomou a dianteira. Corria tanto que acabou chocando-se contra uma árvore e teve de abandonar a competição.
            A bicharada ficou muito decepcionada ao ver a girafa se tornar campeã. Depois da vitória, ela ficou mais faladora ainda.
            Ninguém tinha mais paciência para aguentar aquele blá-blá-blá infindável. Até que o macaco, esperto como ele só, resolveu dar um jeito na questão.
            Ele tirou um bocado de resina de uma árvore e misturou-a na ramaria que a girafa costumava mastigar. Depois, escondeu-se, esperando a falastrona chegar pra comer.
            As folhas prenderam-se no comprido pescoço da girafa e, por mais que ela tossisse e cuspisse, ficaram grudadas em sua garganta, calando-a para sempre. Daí em diante, seus descendentes passaram a nascer sem voz.


sexta-feira, 6 de julho de 2018

UMA HISTÓRIA POR DIA...

Mário Neme nos encanta e nos diverte com o clima de suspense e susto.

HISTÓRIA DE ASSOMBRAÇÃO    

            Pois não é que eles vinham vindo pela estrada fria, Nhô Bê e Chico, dois homens. Vinham vindo pelo estradão sem fim, naquela noite amarga de escura, nem uma estrela no céu, nenhuma claridade, tudo negro, tudo medonho. Era quase meia-noite e ele vinham vindo, só com o facão na cintura, voltando pro rancho.
       Nisso estavam chegando perto da casa do defunto Michelangelo, uma tapera abandonada, que de noite apareciam lá não sei quantas almas do outro mundo. Muita gente já tinha visto as tais almas cantando, tinha dado tiro nelas, mas a bala não pegava. Uma tocava viola, uma viola chorosa e bem afinada, mas ninguém via a viola. Coisa misteriosa. Era mesmo daquelas assombrações que a gente respeita e passa longe, evita elas, mas Nhô Bê não acreditava “nessas bobagens não”.
            - Isso de assombração é besteira, Chico.
            - Se é, compadre.
          - Pois eu não acredito nisso e acho que é até pecado acreditar. O pessoal lá em casa é meio besta, acredita, isto é, a mulherada que é meio besta.
            - Em casa também, compadre.
            - Negadinha boba, Chico. Donde se viu?! Eu nunca tive medo dessas invenções.
            - Nem eu, Nhô Bê, nem eu.
            Eu estava orgulhoso de ver dois bravos com essa coragem formidável, isso sim, era gente pra pôr num conto, até dava gosto lidar com eles. Precisava ver quando, daí a pouco, desabou uma tempestade de acabar o mundo, daquelas mesmo de lavar a terra e a gente não se agüentar em pé debaixo dela.
            Chuááá, e a aguaceira caía que não era vida! Então, os dois homens estavam bem pertinho da casa mal-assombrada, onde tinham matado o defunto Miguelangelo. Foi uma barbaridade aquela morte, quebraram os dentes dele, quebraram os dedos dos pés e das mãos e depois deixaram o velho ir morrendo devagarinho, naquele sofrimento, que só aquilo merecia o céu.
            Estavam mesmo na frente da casa, e a chuva de não se agüentar embaixo. Nhô Bê falou para o companheiro:
            - Acho que é melhor a gente entrar na casa e esperar passar a chuva, Chico.
            - Mas é que essa casa tem uma fama desgraçada, compadre...
            - O que tem isso, Chico? Pois a gente não tem medo de assombração.
            - Ah! É mesmo, compadre! Então vamos.
            E foram. Entraram sem abrir a porta, porque não tinha porta mais, nem janela.
           Mas entraram com muita precaução, espiaram pra dentro, foram andando de manso, chegaram no centro da casa, juntaram uns gravetos, e tal, e fizeram fogo.
        O fogo eles disseram, lá entre eles, que era para esquentar o corpo, mas eu desconfio que era pra espantar as almas do outro mundo. Porque, francamente, eles não estavam muito firmes, não. Coragem eles tinham e bastante, mas, numa hora dessas, num lugar assim de má fama, meia-noite, aquela chuva torvando, aquela casa escangalhada, a gente fica mesmo meio esquerda. Mas eles estavam ali, firmes.
            De repente, um barulhinho esquisito, que nem gente que pisa disfarçado. Os dois estavam agachados na frente do foguinho, nessa hora arregalaram os olhos, ficaram assuntando pro lado do barulho, que era no vão da porta.
            Pra dizer a verdade, estavam com os olhos deste tamanho, olhavam um pro outro e depois pra porta. Outro barulhinho mais perto e apareceu uma sombra se mexendo na porta. Nhô Bê puxou a faca da cintura. Chico segurou a “pernambucana” e ficou pronto pra enfrentar o bicho. Mas, porém, o bicho não era “aquele bicho”. Era um franguinho. O pobre vinha todo molhado, pingando chuva, querendo encontrar um cantinho pra se esquentar. Aquilo foi um contentamento pros dois, um alívio pra eles, até para mim que não tinha nada com o caso. Não é que eles tivessem medo, mas, numa hora daquelas, aquele barulho na porta, um negócio assim que vinha agachado pro lado deles, era mesmo pra gente arregalar os olhos e parar a suspiração. 
            - Está vendo, Chico, se a gente tivesse medo podia até morrer de susto agora, pois é só um franguinho.
            - Pois é, compadre, um franguinho, um franguinho, compadre...
            O franguinho veio vindo, chegou perto do fogo, chacoalhou as asas, esticou o pescoço pra cima, fez assim uma carinha de gente e falou pros dois com voz de trovão:
            - PUXA VIDA, COMO ESTÁ CHOVENDO, NÃO?


quinta-feira, 5 de julho de 2018

UMA HISTÓRIA POR DIA...

A "festa" de Clarice Lispector:

ALVOROÇO DE FESTA NO CÉU

Não é que na véspera do Carnaval houve no céu uma festa para os bichos da selva?
Os convites foram entregues por um beija-flor que delicadamente os deixava em cima de corolas de vitórias-régias. O bicho que ia passando via o seu nome no envelope e pulava de alegria: tinha sido contemplado com um programa para o fim de semana!
Mas notaram todos que só recebiam convites os bichos de asa. O que era uma injustiça. Pelo menos foi o que o sapo gordo pensou. Os animais de terra estavam conformados, esperando o dia em que houvesse a festa lá na selva mesmo. Mas, como eu disse, o sapo verde não. Todos riam dele e de suas reclamações coaxadas e inúteis.
Ele aproveitou o fim manso de tarde para gritar bem alto e ser bem ouvido.
— Eu também vou!
Os pássaros caçoaram e perguntaram:
- Cadê tuas asas, bicho feio?
Foi então que pensou: devo consultar quem é igual a mim, porém mais velho. E realmente, no brejo que ficava entre samambaias e avencas, encontrou um sapo velho e cheio de sabedoria chamado Quá-quá-quá. Este se amedrontou com as intenções do sapo jovem:
— Olhe, é melhor para a sua saúde não sair do chão e ter água por perto.
Então o sapo jovem disse-lhe:
— O senhor é capaz de guardar um segredo? Pois bem, eu vou dançar lá em cima. Basta-me que o urubu feio leve o seu violão
Quá-quá-quá disse-lhe que não o entendia.
O sapo foi falar com o urubu:
— Você vai levar seu violão, urubu?
O urubu, de violão debaixo da asa, nem se dignou a responder.
— Senhor urubu, quer me fazer um único favor? O de ver se estou naquela esquina?
O urubu, meio burro, replicou que, já que era um só favor, ele iria. E não carregou o violão. O sapo mais que depressa entrou no violão e ficou lá bem quieto, embora tivesse uma vontade louca de fumar. O urubu voltou para lhe dizer que não o havia encontrado na esquina — mas cadê o sapo? Sumira, pensou. E pensou: agora vou para o céu.
Para encurtar a história, o sapo, dentro do violão, chegou ao céu e mais do que depressa pulou para fora e começou a dançar todo feliz. Os pássaros se espantaram, perguntaram ao senhor sapo como havia chegado. Mas a alma do negócio é o segredo e o sapo só respondeu malcriado:
— É que eu me arranjo sempre!
E entrou de novo sorrateiro no violão para ir embora. Mas o urubu percebeu a coisa e ficou raivoso: Espertinho, não é? Pois agora mesmo é que você vai voar, vou te soltar no ar. Então o sapo pediu todo manhoso:
— Está vendo aquela pedra e aquele lago? Pelo amor de Deus, deixe eu cair na pedra porque se eu cair no lago eu me afogo!
— Pois é no lago que eu vou te largar, para você morrer!
O sapo, bem feliz, caiu no lago, e salvou-se.
Moral da festa? Bem, não houve.


quarta-feira, 4 de julho de 2018

UMA HISTÓRIA POR DIA...

Uma das sete histórias para sacudir o esqueleto de Angela-Lago.

DANÇANDO COM O MORTO

A viúva estava na cozinha com o filho, contando o dinheiro que tinha encontrado debaixo do colchão, quando o marido, falecido fazia meses, apareceu e veio sentar-se à mesa com eles. A mulher não se intimidou:
- O que é que você está fazendo aqui, seu miserável ?! Me dá paz! Você está morto! Trate de voltar para debaixo da terra.
- Nem pensar- disse o morto. – Estou me sentido vivinho.
A mulher mandou o filho buscar um espelho. Entregou ao morto para que ele visse a sua cara de cadáver.
- É... Estou abatido. Deve ser falta de exercício – disse o falecido.
E mandou o filho buscar a sanfona, e convidou a mulher para dançar. Ela, é claro, não quis saber de dançar com o defunto, que cheirava pior que gambá.
O morto nem ligou. Começou a dançar sozinho. De repente a mulher viu que um dedo dele estava caindo, e ordenou:
- Toca mais rápido, menino!
Assim que o ritmo se acelerou, caiu outro pedaço.
- Mais depressa, que eu também vou dançar- ela resolveu.
E começou a requebrar e saltar e jogar a perna para o alto e balançar a saia.
O marido, animado, tratava de acompanhar as piruetas da mulher, e enquanto isso o corpo dele desmoronava. Até que só ficou a caveira pulando no chão, batendo o queixo. A mulher caprichou uma pirueta, a caveira imitou e o queixo desmontou. Pronto.
Mais que depressa, a mulher mandou o filho buscar um baú para guardar os pedaços do marido:
- Põe tudo que é dele, filho. Tudo. Que eu vou procurar uns pregos e um martelo.
Dali a pouco ela voltou e caprichou nas marteladas, para que o morto nunca mais escapulisse.
Enterraram o defunto de novo. Depois jogaram bastante cimento em cima.
Só no dia seguinte a viúva se lembrou do dinheiro do marido, que ela tinha deixado em cima da mesa.
- Cadê!?!
- Uai, mãe! Não era para guardar no baú tudo que fosse dele?


terça-feira, 3 de julho de 2018

segunda-feira, 2 de julho de 2018

UMA HISTÓRIA POR DIA...

Uma fábula de Millôr Fernandes:

CÃO! CÃO! CÃo!

Abriu a porta e viu o amigo que há tanto não via. Estranhou apenas que ele, amigo, viesse acompanhado de um cão. O cão não muito grande mas bastante forte, de raça indefinida, saltitante e com um ar alegremente agressivo. Abriu a porta e cumprimentou o amigo, com toda efusão. "Quanto tempo!". O cão aproveitou as saudações, se embarafustou casa adentro e logo o barulho na cozinha demonstrava que ele tinha quebrado alguma coisa.
O dono da casa encompridou um pouco as orelhas, o amigo visitante fez um ar de que a coisa não era com ele. "Ora, veja você, a última vez que nos vimos foi..." "Não, foi depois, na..." "E você, casou também?" O cão passou pela sala, o tempo passou pela conversa, o cão entrou pelo quarto e novo barulho de coisa quebrada. Houve um sorriso amarelo por parte do dono da casa, mas perfeita indiferença por parte do visitante. "Quem morreu definitivamente foi o tio... você se lembra dele?" "Lembro, ora, era o que mais... não?"
O cão saltou sobre um móvel, derrubou o abajur, logo trepou com as patas sujas no sofá (o tempo passando) e deixou lá as marcas digitais de sua animalidade. Os dois amigos, tensos, agora preferiam não tomar conhecimento do dogue. E, por fim, o visitante se foi. Se despediu, efusivo como chegara, e se foi. Se foi.
Mas ainda ia indo, quando o dono da casa perguntou: "Não vai levar o seu cão?" "Cão? Cão? Cão? Ah, não! Não é meu, não. Quando eu entrei, ele entrou naturalmente comigo e eu pensei que fosse seu. Não é seu, não?”

Moral: Quando notamos certos defeitos nos amigos, devemos sempre ter uma conversa esclarecedora.

domingo, 1 de julho de 2018

UMA HISTÓRIA POR DIA...

Hoje é dia de poesia com o grupo Palavra Cantada.

ORA BOLAS

Oi, oi, oi...
Olha aquela bola
A bola pula bem no pé
No pé do menino
Quem é esse menino?
Esse menino é meu vizinho...
Onde ele mora?
Mora lá naquela casa...
Onde está a casa?
A casa tá na rua...
Onde está a rua?
Tá dentro da cidade...
Onde está a cidade?
Do lado da floresta...
Onde é a floresta?
A floresta é no Brasil...
Onde está o Brasil?
Tá na América do Sul,
No continente americano,
Cercado de oceano
E das terras mais distantes
De todo o planeta
E como é o planeta?
O planeta é uma bola
Que rebola lá no céu

Oi, oi, oi...
Olha aquela bola...
A bola pula bem no pé
No pé do menino...